Célio Turino
Idos de 2005.
Conheci DavyAlexandrisky
tão logo desci do palco,
eu estava a anunciar
o resultado com a seleção dos
Pontos de Cultura,
tempos em que a esperança ecoava
o tanto que poderia ser feito
com tão pouco, desde que
potencializando aquilo que o povo
já faz.
Esperançávamos
com um ponto de apoio
e uma alavanca.
De repente,
Davy se apresenta,
sua presença chegou transpirando
ternura, lealdade e afeto,
dessas de quem não pede nada para
si.
Veio com as mãos vazias de pedir,
mas cheias de repartir,
ele queria ensinar o sol
a entrar pelas lentes das crianças
e transformá-las em luz.
Davy não faz cultura,
ele sopra a poeira do mundo
para que brilhe mais o comum.
O Ponto de Cultura de Davy não
havia sido selecionado.
Senti nos olhos dele,
não frustração,
mas sonhos que cabiam no olhar de
criança
e por conta disso talvez não se
realizassem.
Qual olhar de criança, quais
crianças?
O olhar das criançasdas favelas e
ruas de Niterói,
a fazer retrato da à vida
recriada
por arte e afeto.
Como não incluir um Ponto de
Cultura com olhar de criança?
Do Davy e das crianças de
Niterói.
Enquanto a atividade prosseguia
o avistei em um canto e fui
sentar-me ao lado dele.
Ele na poltrona, eu no chão,
na escada do auditório.
Assim deveria ser sempre,
a autoridade de governo sentada no
chão
e o povo arriba.
“O povo manda, o governo
obedece”,
foi o que aprendi nos tempos que
estive em Chiapas,
antes de idealizar os Pontos de
Cultura,
assim deveria ser sempre.
Mas não é!
Um dia será. (será?)
Quando esse dia vier
será porque o povo tomou
consciência
de que esse dia deve vir.
(quando o povo tomará
consciência?)
Davy Alexandrisky, velho de
barbas brancas,
sabe segredos,
como fotógrafo revela almas,
leva luz para os outros,
senta palavras em teias e encontros,
planta miudezas de afeto no chão
duro.
Como deixar de fora uma alma
generosa?
Uma pessoa, uma comunidade, um
Ponto.
Sem generosidade não há Cultura
Viva,
assim penso.
A partir daquele encontro
busquei agir da mesma forma
com muitos outros Pontos.
Mas foi com você, Davy (falando
para ti),
com seu olhar,
que percebi o quanto essa atitude
a ser adotada por mim, como
autoridade de governo,
seria necessária
para fazer viva a Cultura Viva.
Sempre pode caber mais um,
e outro, e mais outro...
Servidor público que não
compreende essa missão,
não serve para servir o público.
Mesmo quando o orçamento público
diz que não dá,
há que saber fazer dar.
E dá.
Deu!
Deu com você e seu Ponto de
Cultura
e tantos mais.
Somente assim foi possível chegar
a 3.500 Pontos de Cultura
espalhados por todo o Brasil,
e depois pela América Latina.
Passei a observá-lo,
gosto de observar as pessoas à
distância,
não sou de muita conversa,
prefiro o canto,
a escuta,
a mirada.
Aprendi contigo,
seus gestos e palavras.
Em cada Teia a tua presença era
tecida,
fio por fio.
Nos encontros e congressos, a voz mansa,
mas firme,
defendia a chama viva
da cultura que pulsa das comunidades
e se faz Cultura Viva.
Sempre.
Recordo de um outro projeto seu,
creio que no “Interações
Estéticas”,
outra bonita ação do programa
Cultura Viva,
pena que não há mais,
"KilindoKilombo" (é
assim que escreve?),
nome bonito,
parece dança de passarinho.
Davy, você é uma presença
criativa
de raiz e de invenção,
e o principal de sua criatividade
tem sido iluminar aqueles que
sabem que
o Bem
sempre tem que ser
Comum.
Ao menos deveria ser compreendido
enquanto tal;
mas infelizmente não é, sabemos.
Ontem
recebi sua carta,
que deve estar circulando por aí,
como as muitas cartas que você
escreve
para que as ideias circulem por
ai.
Ontem quando?
Ontem,
não importa o dia,
importa que sua mensagem chegou,
ao menos a mim,
e ela me impeliu
a escrever esses versos
sem rima e sem métrica.
Versos vem da alma,
não precisam de forma.
Agora, Davy, sua palavra
virou palavra voadora,
aquelas que fazem ninhos
nas cabeças dispostas a ouvir.
Palavras que voam como o afeto,
esse bicho miúdo,
que é a única coisa que sobra
quando tudo o mais
é só silêncio.
Hoje,
vinte anos passaram(quase vinte),
você aos 75 anos, segue na lide,
sempre tecendo o amanhã,
como presente de aniversário aos
outros
você oferece uma carta,
que bem poderia ser espelho
a refletir os muitos rostos
que se miram sem se ver.
“- Falta afeto!”, começa você a dizer,
como alerta.
Só essas duas palavras bastariam
e a carta teria cumprido seu
objetivo,
mas você também deixou um rastro
a quem souber – e quiser- entender,
em seu rastro há pegadas
de cuidado, de luz, de paz.
Gostei quando você decide,
aos 75 anos,
aplicar a si uma expulsória
da Comissão Nacional dos Pontos
de Cultura,
também do anúncio de que deixará
os grupos de whatsapp,
preferindo seguir nas ruas de sua
cidade.
Anjo torto,
vai Davy, ser gauche na vida!
Agora se dedicando
“...à sempre valorizada Política
Municipal de Cultura Viva de Niterói”.
Você está certo
em se incomodar com o que sente:
“...muito vendo nossos grupos
disputando
cada vez menos ideias
e cada vez mais disputando
espaços de poder”
Viu só?
Sua carta é um poema,
sua entrega permanece
dedicada ao que é essencial:
não o poder, mas o amor,
não o espaço, mas o encontro,
não a disputa, mas o afeto.
“Cuida do outro, cuida de ti,
cuida do mundo”,
obrigado por citar minhas palavras,
também as de Paulo Freire e Ray
Lima,
mas o que gostei mesmo,
foi a reverência ao querido poeta
do afeto,
o amigo Hamilton Faria
do Pontão de Cultura de Paz
e a defesa que ele apresenta
pelo reencantamento do mundo.
Poetas se entendem sem dizê-lo,
a poesia não se faz com palavras
e versos,
também esses,
afinal, a palavra bela também
encanta
e move montanhas,
mas a bela poesia,
a mais bela de todas,
é aquela que se faz atitude.
E você tem atitude.
Me alongo, mas ainda quero dizer
algumas palavras,
Comissão Nacional dos Pontos de
Cultura,
nome pomposo,
eu preferiria, e sei que você
também,
que fosse movimento;
até ficaria mais bonito, MPC,
Movimento dos Pontos de Cultura,
assim como há MST.
Movimento é atitude,
ação direta,
é “Tudo de todos”,
foi o lema da Teia de Belo
Horizonte; lembra-se?
Mas, enfim...
Sua carta não é despedida ou
renúncia,
éo despertar
para que as pessoas compreendam
que essas coisas de poder não deveriam
estar à frente.
O que deve estar à frente é a
beleza do mundo,
a ideia de que
o mundo pode
SER
Bom e Justo
para
todo mundo.
Sua Carta (e suas outras muitas
Cartas)
permanecerá em cada rosto que
iluminaste,
em cada alma que tocaste,
em cada foto que eternizaste.
Davy, já disseram outras vezes,
mas agora quero dizê-lo em minha
forma:
Senhor Cultura Viva.
Teu legado é afeto,
teu rastro é a paz,
teu espírito segue dançando,
nos becos, nos quilombos,
praias e favelas.
Suas lindas fotos contam
histórias
de quem pega quilombos com as
mãos
e deles faz sonhos. resistências
e alegrias.
Teu espírito segue
nas Teias que nunca se rompem.
Sua ausência, Davy,
não é buraco,
é semente.
E o resto, ah, o resto é o que a
gente inventa.
Quem sabe um dia a gente ouça a
seguinte trova:
“Os Pontos de Cultura ainda vão
fazer brotar um Brasil
como nunca se viu!”
Em meu desejo,
já de há muitos anos
compartilhado,
esse teria que ser o lema e o
emblema da Cultura Viva.
Quem sabe um dia...
Nos vemos por aí, meu querido
amigo,
Senhor
Cultura Viva!
E qualquer dia convide-me à
Niterói,
sei que estará junto a lindos
projetos.
Como as plataformas estão cheias de problemas com segurança por causa do hackers, vou ter que aguardar um prazo mais longo para poder voltar a ter acesso, segundo informação do Yahoo. Mas como disponho de um blog inativo na conta gmail, estarei utilizando este por um tempo. Quando voltar a ter acesso ao blog antigo, transfiro os arquivos novos para o blog original.
O blog antigo continua podendo ser acessado.. Só não sofrerá atualização por um tempo.
Zezito de Oliveira
Essa foi a homenagem mais linda que recebi na minha Vida, coroando a minha entrega absoluta à política pública mais bela e generosa da Cultura brasileira: Cultura Viva e seus Pontos e Pontões!!!!!!!!!!
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