domingo, 1 de dezembro de 2024

Senhor Cultura Viva (à Davy Alexandrisky e a tantas e tantos ponteiros do Brasil)

 Célio Turino 

Idos de 2005.

Conheci DavyAlexandrisky

tão logo desci do palco,

eu estava a anunciar

o resultado com a seleção dos Pontos de Cultura,

tempos em que a esperança ecoava

o tanto que poderia ser feito

com tão pouco, desde que

potencializando aquilo que o povo já faz.

Esperançávamos

com um ponto de apoio

e uma alavanca.

 


De repente,

Davy se apresenta,

sua presença chegou transpirando

ternura, lealdade e afeto,

dessas de quem não pede nada para si.

Veio com as mãos vazias de pedir,
mas cheias de repartir,

ele queria ensinar o sol
a entrar pelas lentes das crianças
e transformá-las em luz.

Davy não faz cultura,
ele sopra a poeira do mundo
para que brilhe mais o comum.

 

O Ponto de Cultura de Davy não havia sido selecionado.

Senti nos olhos dele,

não frustração,

mas sonhos que cabiam no olhar de criança

e por conta disso talvez não se realizassem.

Qual olhar de criança, quais crianças?

O olhar das criançasdas favelas e ruas de Niterói,

a fazer retrato da à vida recriada

por arte e afeto.

Como não incluir um Ponto de Cultura com olhar de criança?

Do Davy e das crianças de Niterói.

Enquanto a atividade prosseguia

o avistei em um canto e fui sentar-me ao lado dele.

Ele na poltrona, eu no chão,

na escada do auditório.

 

Assim deveria ser sempre,

a autoridade de governo sentada no chão

e o povo arriba.

“O povo manda, o governo obedece”,

foi o que aprendi nos tempos que estive em Chiapas,

antes de idealizar os Pontos de Cultura,

assim deveria ser sempre.

Mas não é!

Um dia será. (será?)

Quando esse dia vier

será porque o povo tomou consciência

de que esse dia deve vir.

(quando o povo tomará consciência?)

 

Davy Alexandrisky, velho de barbas brancas,

sabe segredos,

como fotógrafo revela almas,

leva luz para os outros,
senta palavras em teias e encontros,

planta miudezas de afeto no chão duro.

 

Como deixar de fora uma alma generosa?

Uma pessoa, uma comunidade, um Ponto.

Sem generosidade não há Cultura Viva,

assim penso.

A partir daquele encontro

busquei agir da mesma forma

com muitos outros Pontos.

Mas foi com você, Davy (falando para ti),

com seu olhar,

que percebi o quanto essa atitude

a ser adotada por mim, como autoridade de governo,

seria necessária

para fazer viva a Cultura Viva.

Sempre pode caber mais um,

e outro, e mais outro...

Servidor público que não compreende essa missão,

não serve para servir o público.

Mesmo quando o orçamento público diz que não dá,

há que saber fazer dar.

E dá.

Deu!

Deu com você e seu Ponto de Cultura

e tantos mais.

Somente assim foi possível chegar

a 3.500 Pontos de Cultura

espalhados por todo o Brasil,

e depois pela América Latina.

 

Passei a observá-lo,

gosto de observar as pessoas à distância,

não sou de muita conversa,

prefiro o canto,

a escuta,

a mirada.

Aprendi contigo,

seus gestos e palavras.

Em cada Teia a tua presença era tecida,
fio por fio.
Nos encontros e congressos, a voz mansa,
mas firme,

defendia a chama viva
da cultura que pulsa das comunidades

e se faz Cultura Viva.

Sempre.

 

Recordo de um outro projeto seu,

creio que no “Interações Estéticas”,

outra bonita ação do programa Cultura Viva,

pena que não há mais,

"KilindoKilombo" (é assim que escreve?),

nome bonito,
parece dança de passarinho.

 

Davy, você é uma presença criativa

de raiz e de invenção,

e o principal de sua criatividade

tem sido iluminar aqueles que sabem que

o Bem

sempre tem que ser

Comum.

Ao menos deveria ser compreendido enquanto tal;

mas infelizmente não é, sabemos.

 

Ontem

recebi sua carta,

que deve estar circulando por aí,

como as muitas cartas que você escreve

para que as ideias circulem por ai.

Ontem quando?

Ontem,

não importa o dia,

importa que sua mensagem chegou,

ao menos a mim,

e ela me impeliu

a escrever esses versos

sem rima e sem métrica.

Versos vem da alma,

não precisam de forma.

Agora, Davy, sua palavra

virou palavra voadora,
aquelas que fazem ninhos
nas cabeças dispostas a ouvir.

Palavras que voam como o afeto,

esse bicho miúdo,
que é a única coisa que sobra
quando tudo o mais
é só silêncio.

 

Hoje,

vinte anos passaram(quase vinte),

você aos 75 anos, segue na lide,

sempre tecendo o amanhã,

como presente de aniversário aos outros

você oferece uma carta,

que bem poderia ser espelho

a refletir os muitos rostos

que se miram sem se ver.
“- Falta afeto!”, começa você a dizer,

como alerta.

Só essas duas palavras bastariam

e a carta teria cumprido seu objetivo,

mas você também deixou um rastro

a quem souber – e quiser- entender,

em seu rastro há pegadas
de cuidado, de luz, de paz.

 

Gostei quando você decide,

aos 75 anos,

aplicar a si uma expulsória

da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura,

também do anúncio de que deixará os grupos de whatsapp,

preferindo seguir nas ruas de sua cidade.

Anjo torto,

vai Davy, ser gauche na vida!

Agora se dedicando

“...à sempre valorizada Política Municipal de Cultura Viva de Niterói”.

Você está certo

em se incomodar com o que sente:

“...muito vendo nossos grupos disputando

cada vez menos ideias

e cada vez mais disputando

espaços de poder”

Viu só?

Sua carta é um poema,
sua entrega permanece
dedicada ao que é essencial:
não o poder, mas o amor,
não o espaço, mas o encontro,

não a disputa, mas o afeto.

“Cuida do outro, cuida de ti, cuida do mundo”,
obrigado por citar minhas palavras,

também as de Paulo Freire e Ray Lima,

mas o que gostei mesmo,

foi a reverência ao querido poeta do afeto,

o amigo Hamilton Faria

do Pontão de Cultura de Paz

e a defesa que ele apresenta

pelo reencantamento do mundo.

 

Poetas se entendem sem dizê-lo,

a poesia não se faz com palavras e versos,

também esses,

afinal, a palavra bela também encanta

e move montanhas,

mas a bela poesia,

a mais bela de todas,

é aquela que se faz atitude.

E você tem atitude.

Me alongo, mas ainda quero dizer algumas palavras,

Comissão Nacional dos Pontos de Cultura,

nome pomposo,

eu preferiria, e sei que você também,

que fosse movimento;

até ficaria mais bonito, MPC,

Movimento dos Pontos de Cultura,

assim como há MST.

Movimento é atitude,

ação direta,

é “Tudo de todos”,

foi o lema da Teia de Belo Horizonte; lembra-se?

Mas, enfim...

 

Sua carta não é despedida ou renúncia,

éo despertar

para que as pessoas compreendam

que essas coisas de poder não deveriam estar à frente.

O que deve estar à frente é a beleza do mundo,

a ideia de que

o mundo pode

SER

Bom e Justo

para

todo mundo.

 

Sua Carta (e suas outras muitas Cartas)

permanecerá em cada rosto que iluminaste,
em cada alma que tocaste,
em cada foto que eternizaste.

Davy, já disseram outras vezes,

mas agora quero dizê-lo em minha forma:

Senhor Cultura Viva.


Teu legado é afeto,
teu rastro é a paz,

teu espírito segue dançando,
nos becos, nos quilombos,

praias e favelas.

Suas lindas fotos contam histórias

de quem pega quilombos com as mãos

e deles faz sonhos. resistências e alegrias.

Teu espírito segue

nas Teias que nunca se rompem.

Sua ausência, Davy,
não é buraco,
é semente.

E o resto, ah, o resto é o que a gente inventa.

Quem sabe um dia a gente ouça a seguinte trova:
“Os Pontos de Cultura ainda vão

fazer brotar um Brasil

como nunca se viu!”

Em meu desejo,

já de há muitos anos compartilhado,

esse teria que ser o lema e o emblema da Cultura Viva.

Quem sabe um dia...

 

Nos vemos por aí, meu querido amigo,

Senhor Cultura Viva!

E qualquer dia convide-me à Niterói,

sei que estará junto a lindos projetos.

 


 Amigos (as), estou com problema para entrar na conta em que publicava no blog da cultura em razão da  plataforma blogger ser do gmail  e o email que usava para acessar ser Yahoo. Já que esqueci  a senha e ainda precisei entrar por outro computador , por conta de problemas no que usava, o qual foi para o conserto.

Como as plataformas estão cheias de problemas com segurança por causa do hackers, vou ter que aguardar um prazo mais longo para poder voltar a ter acesso, segundo informação do Yahoo.  Mas como disponho de um blog inativo na conta gmail, estarei utilizando este por um tempo. Quando voltar a ter acesso ao blog antigo, transfiro os arquivos novos para o blog original.

O blog antigo continua podendo ser acessado.. Só não sofrerá atualização por um tempo.

Zezito de Oliveira

Um comentário:

  1. Essa foi a homenagem mais linda que recebi na minha Vida, coroando a minha entrega absoluta à política pública mais bela e generosa da Cultura brasileira: Cultura Viva e seus Pontos e Pontões!!!!!!!!!!

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