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Por Renato Carvalho, do Rescola
A campainha toca, mas, em vez da aula de História, começa a aula de
“Primeira Guerra Mundial”, planejada em conjunto pelos professores
especialistas em História, Geografia, Línguas Estrangeiras e (por que
não?) pelo professor de Física que achou que seria uma boa oportunidade
para trabalhar os conceitos de Balística.
À tarde, outro sinal, mas os alunos não vão ter aula de Biologia.
Hoje a aula é sobre “Ecossistema Polar Ártico”, ministrada pelos
professores especializados em Biologia, Química, Geografia e o de
Matemática, que percebeu que os dados sobre o derretimento das geleiras
seriam úteis para o estudo de Estatística.
Em pouco tempo, cenários como esse,
que já são comuns nas principais escolas da capital Helsinki, poderão
ser encontrados em toda a rede de ensino do município e nas cidades do
interior. O objetivo é claro:
A Finlândia quer ser o primeiro país do mundo a abolir completamente a tradicional divisão do conteúdo escolar em “Matérias” e adotar em todas as suas escolas o ensino por “Tópicos” multidisciplinares (ou “Fenômenos”, conforme a terminologia adotada pelos educadores finlandeses).
Há anos, a educação finlandesa vem sendo considerada a melhor do
mundo. Com “segredos” como valorização dos professores, atenção especial
aos alunos com mais dificuldades, valorização das artes e de diferentes
formas de aprendizagem e uma radical redução no número de provas e
testes, o país tem consistentemente dividido as mais altas posições nos rankings do PISA
(Programme for International Student Assessment, ou Programa para
Avaliação Internacional de Estudantes) com Cingapura, mas com as
vantagens de oferecer uma educação universalmente gratuita e livre dos
tremendos níveis de estresse aos quais os estudantes asiáticos são
submetidos.
Apesar dos excelentes resultados (ou talvez por causa deles), a
Finlândia pretende continuar repensando e aprimorando seu sistema
educacional. “Não é apenas Helsinki, mas toda a Finlândia que irá abraçar a mudança”, afirma Marjo Kyllonen, gerente educacional de Helsinki. “Nós
realmente precisamos repensar a educação e reprojetar nosso sistema,
para que ele prepare nossas crianças para o futuro com as competências
que são necessárias para o hoje e o amanhã. Nós ainda temos escolas
ensinando à moda antiga, que foi proveitosa no início dos anos 1900 –
mas as necessidades não são mais as mesmas e nós precisamos de algo
adequado ao Século 21.”
Naturalmente, a ideia de substituir “Matérias” por “Fenômenos” como
forma de dividir o conteúdo escolar e apresentá-lo aos alunos sofreu
resistência inicial, principalmente dos professores e diretores que
passaram suas vidas se especializando e se preparando para ensinar
matérias. Mas com suporte do governo – inclusive incentivos financeiros
através de bonificações para os professores que aderissem ao método – os
professores foram gradualmente se envolvendo e hoje aproximadamente 70%
dos professores das escolas de ensino médio da capital já estão
treinados e adotando essa nova abordagem.
Atualmente, as escolas finlandesas já são obrigadas a oferecer ao
menos um período de ensino multidisciplinar baseado em Fenômenos por
ano. Na capital Helsinki, a reforma está sendo conduzida de forma mais
acelerada, com as escolas sendo encorajadas a oferecer dois períodos. A
previsão de Marjo Kyllonen é de que em 2020 a transição estará completa
em todas as escolas do país.
-------------------------------Para além do ‘na Finlândia é fácil, quero ver no Brasil’

Veja também
Por Patrícia Gomes, no Porvir
No meu feed de notícias do Facebook nesta semana uma aspa em
particular me chamou a atenção. Uma educadora dizia: “Existem escolas
que estão ensinando do jeito tradicional, o que até era uma coisa
vantajosa no início dos anos 1900. Mas agora não podemos mais fazer
isso. Precisamos de algo compatível com o século 21”.
OK, preocupação justa, honesta, que a gente tem visto com alguma
frequência no Brasil, principalmente entre pessoas empenhadas em
melhorar a educação pública. Mas espera. Quem disse não foi alguém que
está tentando repensar algum sistema educacional cambaleante. Era Marjo
Kyllonen, secretária de educação de Helsinque, ao comentar no britânico The Independent a grande notícia da semana para quem se interessa por educação: a Finlândia vai, a partir de 2016, começar a trocar as disciplinas tradicionais por projetos interdisciplinares (leia
entrevista com Marjo Kyllonen no Porvir). Segundo ela, escolas
finlandesas precisam preparar melhor os alunos para os desafios que
encontrarão na vida.
Então quer dizer que a Finlândia, que já tem um dos melhores sistemas
educacionais do mundo, também está procurando novas soluções para suas
salas de aula? Sim, está. Só para dar um contexto melhor sobre o que
estamos falando: a Finlândia é dos países que mais consistentemente
aparecem no topo do Pisa,
exame internacional que mede o quanto alunos de 15 anos sabem
matemática, ciências e língua materna. Lá, a educação é pública, não há
grandes diferenças na qualidade do ensino entre escolas e os professores
têm autonomia para escolher o que vão ensinar.
Aliás, lecionar é um dos ofícios mais prestigiados no país – Pasi Sahlberg, educador finlandês, professor visitante de Harvard e autor do livro “Finnish Lessons 2.0”, fala mais sobre o que é ser professor na Finlândia em seu blog. O resultado dessa mistura é um país que tem se destacado nas áreas de tecnologia e inovação, tem uma economia sólida e os menores índices de corrupção do planeta.
Bom, acontece que aqui pelos Estados Unidos a notícia também ganhou repercussão. Depois da matéria inicial do The Independent, publicações como Quartz, Washington Post, Huffington Post e Vox puseram suas respectivas colheres na discussão, uns com mais, outros com menos pé atrás. “Será
que substituir aulas tradicionais por projetos interdisciplinares vai
ensinar ao aluno tudo o que ele precisa saber? Será que essa abordagem é
possível nos EUA?” foram algumas das questões levantadas. Para dar um contexto, os norte-americanos estão na fase final de implementação do Common Core,
um currículo nacional para matemática e inglês fruto de um debate que
durou anos, e aguardam ansiosos pelos primeiros resultados dos alunos.
O problema é que as notícias davam a entender que a Finlândia ia
trocar todas as disciplinas por projetos de um dia para o outro. Mas não
é bem assim e o Ministério da Educação finlandês fez questão de esclarecer isso. Mesmo
antes de a substituição aulas tradicionais por projetos
interdiciplinares fazer parte de um programa maior, o país já adotava a
abordagem de projetos há décadas ao menos uma vez por semana. A partir
de 2016, um cronograma de adoção vai ser adotado para que essa
quantidade aumente, mas as disciplinas continuarão a existir.
Pelo aprendizado baseado em projetos, professores de diferentes
disciplinas desenham juntos atividades com claros objetivos pedagógicos e
as situações de aprendizado ocorrem ao longo do processo. Entre ter a
ideia, desenhar, prototipar e apresentar o produto final, os alunos
aprendem os conteúdos programáticos relacionados e intencionalmente
abordados pelos professores, mas também têm que agir em colaboração, com
criatividade e resiliência.
É claro que ter uma grade curricular inteiramente baseada em projetos
é algo muito distante da realidade brasileira. Mas a adoção parcial,
quem sabe em um dia na semana, pode ser um começo. Paulo Blikstein,
professor assistente em Stanford e estudioso do aprendizado baseado em
projetos, me disse há um tempo
e eu nunca esqueci: não tem mal nenhum em abrir mão de um pouco de
conteúdo para dar espaço a momentos de aprendizagem realmente profundos.
Na vida real, é isso que vai fazer diferença. Fiquemos com a pulga
atrás da orelha.
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