Sexta, 17 de abril de 2015
"Onde reside o gênio do capitalismo? Na exacebação do eu até ao
máximo possível, do indivíduo e da auto-afirmação, desdenhando o todo
maior, a integração e o nós. Desta forma desequlibriou toda a existência
humana, pelo excesso de uma das forças, ignorando a outra", afirma Leonardo Boff teólogo, filósofo e escritor.
Eis o artigo.
A demolição teórica do capitalismo como modo de produção começou com Karl Marx
e foi crescendo ao longo de todo o século XX com o surgimento do
socialismo. Para realizar seu propósito maior de acumular riqueza de
forma ilimitada, o capitalismo agilizou todas as forças produtivas
disponíveis. Mas teve como consequência, desde o início, um alto custo:
uma perversa desigualdade social. Em termos ético-políticos, signfica
injustiça social e produção sistemática de pobreza.
Nos últimos decênios, a sociedade foi se dando conta tam bém de que não vogora apenas uma injustiça social, mas também uma injustiça ecológica:
devastação de inteiros ecossitemas, exaustão dos bens naturais, e, no
termo, uma crise geral do sistema-vida e do sistema-Terra. As forças
produtivas se transformaram em destrutivas. Diretamente o que se busca
msmo é dinheiro.
Como advertiu o Papa Francisco em excertos já
conhecidos da Exortação Apostólica sobre a Ecologia: ”no capitalimo já
não é o homem que comanda, mas o dinheiro e o dinheiro vivo. A ganância é
a motivação ... Um sistema econômico centrado no deus-dinheiro precisa
saquear a natureza para sustentar o ritmo frenético de consumo que lhe é
inerente."
Agora o capitalismo mostrou sua verdadeira face: temos a ver com um sistema anti-vida humana e anti-vida natural. Ele nos coloca o dilema: ou mdudamos ou corremos o risco da nossa própria destruição, como alerta a Carta da Terra.
No entanto, ele persiste como o sistema dominante em todo o globo sob
o nome de macroeconomia neoliberal de mercado. Em que reside sua
permanência e persistência? No meu modo de ver, reside na cultura do
capital. Isso é mais que um modo de produção. Enquanto cultura encarna
um modo de viver, de produzir, de consumir, de se relacionar com a
natureza e com os seres humanos, constituíndo um sistema que consegue
continuamente se reproduzir, pouco importa em que cultura vier a se
instalar. Ele criou uma mentalidade, uma forma de exercer o poder e um
código ético. Como enfatizou Fábio Konder Comparato num livro quer merece ser estudado A civlizazção capitalista
(Saraiva, 2014):”o capitalismo é a primeira civilização mundial da
história”(p.19). O capitalismo orgulhosamente afirma:"não há outra
alternativa."
Vejamos rapidamente algumas se suas características: finalidade da
vida: acumular bens materiais; mediante um crescimento ilimitado
produzido pela exploração sem limites de todos os bens
naturais; pela mercantilização de todas as coisas e pela especulação
financeira; tudo feito com o menor investimento possível, visando a
obter pela eficácia o maior lucro possível dentro do tempo mais curto
possível; o motor é a concorrência turbinada pela propaganda comercial; o
beneficiado final é o indivíduo; a promessa é a felicidade num contexto
de materialismo raso.
Para este propósito se apropia de todo tempo de vida do ser humano,
não deixando espaço para a gratuidade, a convivência fraternal entre as
pessoas e com a natureza, o amor, a solidariedade e o simples viver como
alegria de viver. Como tais realidades não importam na cultura do
capital mas são elas que produzem a felicidade possível, o capitalismo
destrói as condições daquilo que se propunha: a felicidade. Assim ele
não é só como anti-vida mas também anti-felicidade.
Como se depreende, esses ideais não são propriamente os mais dignos
para efêmera e única passagem de nossa vida neste pequeno planeta. O ser
humano não possui apenas fome de pão e afã de riqueza; é portador de
outras tantas fomes como de comunicação, de encantamento, de paixão
amorosa, de beleza e arte e de transcendência, entre outras tantas.
Mas por que a cultura do capital se mostra assim tão
persistente? Sem maiores mediações diria: porque ela realiza uma das
dimensões essenciais da existência humana, embora a elabore de forma
distorcida: a necessidade de auto-afirmar-se, de reforaçar seu eu, caso
contrário não subsiste e é absorvido pelos outros ou desaparece.
Biólogos e mesmo cosmólogos (citemos apenas um dos maiores deles Brian Swimme)
nos ensinam: em todos os seres do universo, especialmente no ser
humano, vigoram duas forças que coexistem e se tencionam: a vontade do
indivíduo de ser, de persistir e de continuar dentro do processo da
vida; para isso tem que se auto-afirmar e fortalecer sua identidade, seu
“eu”. A outra força é da integração num todo maior, na espécie, da qual
o indivíduvo é um representante, constituido redes e sistemas de
relações fora das quais ninguém subsiste.
A primeira força se constela ao redor do eu e do indivíduo e origina o
individualismo. A segunda se articula ao redor da espécie, do nós e dá
origem ao comunitário e ao societário. O primeiro está na base do
capitalismo, o segundo, do socialismo.
Onde reside o gênio do capitalismo? Na exacebação do eu até ao máximo
possível, do indivíduo e da auto-afirmação, desdenhando o todo maior, a
integração e o nós. Desta forma desequlibriou toda a existência humana, pelo excesso de uma das forças, ignorando a outra.
Nesse dado natural reside a força de perpetuação da cultura do
capital, pois se funda em algo verdadeiro mas concretizado de forma
exacerbadamente unilateral e patológica.
Como superar esta situação secular? Fundamentalmente no regate do equilíbrio destas duas forças naturais
que compõem a nossa realidade. Talvez seja a democracia sem fim, aquela
instituição que faz jus, simultaneamente, ao indivíduo (eu) mas
inserido dentro de um todo maior (nós, a sociedade) do qual é parte.
Voltaremos ao tema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário