Foi inesperado. De repente, uma amiga argentina, Ines Sanguinetti,
uma bailarina que dedica sua vida a promover a Cultura Viva Comunitária
na periferia de Buenos Ayres, em que “Crear vale la pena”,
envia uma mensagem: “estou apresentando-o à Damiana, que trabalhou com o
Papa Francisco quando arcebispo e eles gostariam de conhecer mais a
ideia dos Pontos de Cultura”. Trocamos algumas mensagens, ela pediu meu
currículo sem dizer para que, também enviei meu livro em espanhol,
editado na argentina ” Puntos de Cultura – Cultura Viva en movimiento” e
ficamos de nos encontrar em abril, quando eu fosse ministrar um curso
de gestão cultural em Buenos Ayres. Uma conversa das muitas que realizo
com pessoas de diversos países, trocando ideias sobre a Cultura Viva que
é realizada pelo mundo afora.
Uma semana depois, recebo um convite da
Academia de Ciências do Vaticano, para ministrar a Conferência de
abertura no tema “Cultura, Educação e Emancipação” no Congresso mundial
do programa Scholas Occurrentes (Escolas do Encontro) a ser lançado pelo
Papa Francisco, com o objetivo de envolver 60 milhões de jovens em todo
o mundo. Mais uma semana e eu estava no Vaticano. Tudo muito rápido e
bem definido.
Promover encontros pela paz. Não desses encontros retumbantes, com
declarações genéricas e pouca ação prática, mas encontros singulares,
pessoa a pessoa. Sessenta milhões de crianças e jovens a se encontrarem
pelo mundo, um a um, estabelecendo laços de afeto e confiança. Esta é a
ideia das Escolas do Encontro.
Algo assim: colocar um jovem Checheno
convivendo com um jovem Russo, dormindo no mesmo quarto, dividindo a
mesma comida e um tendo que lavar a roupa do outro, como na vila de
Rondini, na Itália, em que jovens de países conflagrados são convidados a
viver juntos, sob o mesmo teto. E, de repente, um jovem israelense
declara que nunca havia conversado com um palestino antes de dividir o
quarto com um, e eles se descobrem amigos. Potenciar o encontro,
praticar a alteridade (o se reconhecer no “outro” por mais diferente que
este “outro” possa parecer), exercitar a tolerância e a paz, esta é a
ideia do Scholas Occurrentes.
O Ponto de Cultura pode fazer esta mediação. Aqui não me refiro aos
Pontos de Cultura instituídos ou reconhecidos por governos, esses
também, mas há muito mais Pontos de Cultura espalhados por aí. Gente
boa, criativa e dedicada, fazendo trabalho pelo mundo, entregando suas
vidas a organizar a Cultura Viva em suas comunidades.
Pode ser uma
biblioteca comunitária, ou uma escola de dança, ou grupo de teatro, de
hip hop, coletivo audiovisual, com indígenas, jovens de favelas,
camponeses, também estudantes universitários, mestres da Cultura
Popular, Griôs, contadores de histórias, palhaços, músicos, gente
fazendo ecovilas, agroecologia, cooperativas de economia solidária,
trabalhos compartilhados em software livre, cultura digital. Tudo cabe
na Cultura Viva, basta querer, inventar e fazer. E promover o encontro.
Há realidades extremadas, como jovens vivendo em áreas de guerra. Mas
há também outras realidades em que o Encontro deve ser promovido, em
que a guerra não é declarada, mas velada (ou não tão velada assim). Não
seria uma boa ideia colocar jovens de um colégio arquidiocesano, de
classe média alta, para interagir com jovens de uma escola pública no
Capão Redondo, em São Paulo? Mesmo morando na mesma cidade, talvez eles
nunca tenham se encontrado, como entre os jovens israelense e palestino.
Por vezes são escolas que estão ao lado uma da outra, no mesmo bairro
ou região, por vezes estes jovens até se cruzam nas ruas, mas nunca se
olharam, nunca se ouviram. O jovem da família rica, com acesso a todos
os bens de consumo ou conforto, talvez seja até mais excluído de sua
cultura, de seu povo, que um jovem que possa morar na favela vizinha.
Um, com acesso a shoppings, baladas, cinema multiplex ou roupas de
marca, outro, com acesso ao Jongo, à capoeira, às rodas de conversa,
saraus de periferia ou grupos de rap.
Mas eles tem o que conversar e
aprender um com o outro. É aí que entra a cultura e o esporte. Não para
promover um encontro forçado, como se fosse uma tarefa escolar, em que
cada uma dessas crianças e jovens devesse conversar com a outra em algum
momento especial ou em encontros pelo computador. Mas em encontros
reais, vivenciados cotidianamente.
Um grupo de capoeira, o exercício de
produção de um audiovisual entre jovens de realidades tão distintas, um
trabalho comunitário (não para que o mais rico se sinta ajudando o mais
pobre, mas para uma ação comum, em que um ajuda e aprende com o outro,
cuidando de uma horta comunitária, de comida orgânica, por exemplo).
Enfim, há tantas possibilidades, tantas necessidades, tanta gente
precisando se encontrar (mesmo quando não sabem).
Cabe aos Pontos de
Cultura do mundo a mediação deste encontro.
Foi o que conversei com o Papa Francisco. E que venham os encontros!